sexta-feira, 3 de março de 2017

Já muito planei quando devia andar.
Já muito caminhei quando devia voar.
Já muito escondi quando devia lutar.
Já muito ansiei quando devia calar.
Já muito corri quando devia sentar.
Já muito ataquei pra não me machucar.
Já muito fui leviana quando devia amar.
Bati muito as asas em tempo irregular.
Tive dó de mim por não chegar lá.
Já muito fui sol e só fiz me queimar.
Já muito dei ré só pra não avançar.
Já muito improvisei pra não me culpar.
Já muito calei pra não semitonar.
Fui compasso composto quando devia simplificar.
Inventei sustenidos pra me aumentar.
Não fechei partituras com medo de acabar.
Inventei pausas e pausas pra poder respirar.
Pus ponto de aumento pra poder prolongar.
Encerrei antes do tempo pra não machucar.
Compus melodias que não pude tocar.

Sou acidente ocorrente.
Ora semifusa em um mar de semibreves, ora semibreve em compasso 4/4.
Sou nota que corre solta na partitura e a maestria da vida me permite errar.
Sou regente da minha melodia e me permito experimentar.
Hoje já não mais me vejo obrigada a sempre alcançar o tom. 

Bem diz Guimarães Rosa que

"O senhor... mire, veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam, verdade maior. É o que a vida me ensinou. Isso que me alegra montão."

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