terça-feira, 24 de maio de 2016

Papel em branco. Rabisca, rabisca, nada sai.

Tenta ir pro computador. Pensa, pensa... digita, digita, apaga.

Toma café, atende cliente, fuma um cigarro, tenta de novo.

Nada. Nadinha. Zero.

Lembra, que, como diz o sábio Hemingway, é preciso sentar e sangrar.

E eu sempre sangrei tão bem... Tão fácil, tão natural. E na maioria das vezes doeu, como toda ferida aberta que só pára de desesperar quando estanca. Isso não quer dizer que pare de doer ou a cicatriz não incomode, só quer dizer que o pavor de ver tudo vermelho ameniza. Fica, no lugar, um dolorido profundo, latente.

Sempre usei das letras como um grito, válvula de escape e linha de costura, pra pontilhar a pele e aproximar as bordas da tristeza. Pra trancar ela num lugar menos exposto, mais distante dos olhos. Porque é um comportamento constante meu, doer mais quando vejo, quando penso, quando lembro.

Mas eu percebi, recentemente, que quando muito me dói, me dói mais ainda escrever. Talvez porque a escrita me obrigue a ver, pensar e lembrar. E, nestes casos, ela de grito passa a ser o que me faz torturar. Então eu engulo. Engulo pra ver se some sozinho, se milagrosamente o que passou se transforma em algo que, na verdade, nunca aconteceu.

Eu sei sobre o que eu preciso escrever. Eu sei o que preciso deixar correr, sei que a cura vai se iniciar no momento em que eu deixar desaguar toda essa água vermelha presa nas veias, nos pulmões, no coração, em cada pedaço do corpo e da alma. Mas só de pensar em pensar, dói. E dói mais a sensação agonizante de achar que nunca conseguirei pensar. E estremece o corpo todo perceber que, evitando deixar a mente desabafar sobre a culpa, o medo, a tristeza, o desespero, acabo evitando o desabafo sobre a saudade, a felicidade, as boas lembranças, o carinho e o calor. E estes, estes eu me proíbo de esquecer. Me proíbo de deixar esvair, me proíbo de proibir. Proíbo que todo esse mar de dor afogue o amor, que é dos maiores que se pode ter na vida.

Eu vou escrever, sei que vou. Vou escrever pra liberar a barreira que impede que eu lembre com carinho. É só que a culpa é tão grande, que esmaga todo o resto.

Tem dia que até a vontade de sair da cama é esmagada.